2023 foi o ano com maior número de ataques em ambiente escolar nos últimos 22 anos, o que reforçou um alerta sobre a importância de haver políticas públicas de prevenção e combate à violência em ambiente escolar. É com esse propósito que uma nova lei foi sancionada em janeiro de 2024, abordando medidas de proteção à criança e ao adolescente, sobretudo no que diz respeito ao bullying e cyberbullying.
Desde 2002 até outubro de 2023 foram 36 ataques em escolas, vitimando 164 pessoas, sendo 49 de forma fatal. Entre a ocorrência dos ataques, oito deles foram em estados da região Nordeste, sendo três na Bahia, três no Ceará, um na Paraíba, um no Maranhão e um em Alagoas. O levantamento consta no Relatório de Ataques nas Escolas do Brasil, do Ministério da Educação (MEC), divulgado em outubro de 2023.
Ataques em escolas brasileiras de 2002 a 2023
Os números evidenciam que 2023 registrou mais do que o dobro de ataques ocorridos em 2022 (7) e quase 45% de toda a série histórica. Segundo o relatório, dos 36 ataques ocorridos no Brasil ao longo dos últimos 22 anos, 37 escolas foram vitimadas, sendo 30 públicas e sete escolas privadas. O número de escolas é maior do que o de ataques, porque em um atentado específico, ocorrido em Aracruz (ES) em 2022, foram vitimadas duas escolas.
Segundo o promotor de Justiça e coordenador do Núcleo de Defesa da Educação (Nuded) do Ministério Público do Estado de Alagoas (MPAL), Lucas Sachsida, a lei 14.811/2024, que inclui os crimes de bullying e cyberbullying no Código Penal e transforma crimes previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) em hediondo, surge em decorrência do aumento de atentados no último ano.
“A lei foi muito positiva porque não trouxe aquela visão monocular muito ruim que se instituiu politicamente, de que “subir muros” e de que instalar câmeras por si só resolveria o problema da violência. Isso é muito equivocado. (…) É como se a gente quisesse escolas com muros. Pelo contrário, a escola é um ambiente que a gente quer todo mundo dentro dela, é um ambiente democrático e participativo”, afirma Sachsida.
Número de ataques em ambiente escolar por estado do Brasil
Dados são referentes ao período total de 2002 a outubro de 2023.
Medidas de proteção à criança e ao adolescente
Considerando a importância desses dados, diversas ações governamentais e institucionais foram realizadas em todo o Brasil com o intuito de diminuir as ocorrências ou buscar uma solução para o problema, sobretudo após os atentados ocorridos em uma escola no bairro Vila Sônia (SP) e em uma creche em Blumenau (SC), em março e abril de 2023, respectivamente.
Uma onda de ameaças tomou conta do país por meio das redes sociais, causando pânico e exigindo uma ação das autoridades. Diante dessa situação, em meados de abril de 2023, o Ministério Público do Estado de Alagoas conduziu uma série de atividades preventivas junto a diversos órgãos estaduais, priorizando os que são integrantes da Segurança Pública (SSP) e da Educação, para organizar a execução de um plano com o intuito de interceptar qualquer atitude suspeita que oferecesse riscos a estudantes, professores e funcionários das escolas e creches do estado.
“Nós conseguimos evitar todos os problemas, nós não tivemos um ataque sério em ambiente escolar, apesar das diversas ameaças, e não tivemos nenhuma notificação de que houve excesso na atuação das forças de segurança, que também era uma preocupação nossa. Então a gente conseguiu formar um grupo muito interessante, conscientizando sobre isso”, explica o promotor de justiça, Lucas Sachsida.
Além de reunir os órgãos estaduais para uma ação coordenada, o MPAL também buscou aproximar a Polícia Militar dos gestores de educação, no intuito de estabelecer um canal de comunicação mais ágil para o caso de alguma ocorrência suspeita nas escolas. Outra ação organizada pelo coordenador do Nuded do MPAL foi uma grande palestra com os gestores da educação de todo o estado para tratar sobre o assunto.
“Alí a gente conseguiu tirar dúvidas e fazer uma conscientização. A gente preparou todo mundo para os problemas, falamos sobre as datas específicas, as formas de atuação, as formas de publicidade, as preocupações relativas a determinados excessos e como deveriam agir em determinadas situações. Então tudo foi tratado para que a gente pudesse evitar um episódio de violência e foi um sucesso a atuação nesse ponto”, relata o promotor de justiça.
Para além do período em que ocorreram as atividades coordenadas, algumas ações foram executadas visando a resolução do problema de forma permanente, como a aplicação de diversos Termos de Ajustamento de Conduta (TACs) com as redes públicas de ensino, para que disponham de serviços de psicologia e de serviço social dentro do ambiente escolar.
Outra ação desenvolvida pelo Ministério Público de Alagoas, com o intuito de um resultado exitoso a longo prazo, foi a criação do projeto “Dever de Casa: Proteção e Inclusão nas Escolas”, que busca o efetivo cumprimento da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, no que diz respeito a inclusão, nos currículos escolares, de conteúdos relativos aos direitos humanos e à prevenção de todas as formas de violência contra a criança, o adolescente e a mulher, tanto em escolas públicas como particulares, em todos os níveis de ensino.
Cuidado com a saúde mental
Apesar do bullying ser considerado parte do problema, ele, sozinho, não explica a ocorrência do fenômeno da violência extrema em escolas. Segundo relatório do Governo Federal, “o fenômeno é multicausal, ou seja, diversos fatores associados produzem a ocorrência de um ataque. Tampouco a motivação dos ataques pode ser reduzida apenas a questões de saúde mental dos perpetradores, ainda que sejam um aspecto significativo”.
De acordo com o promotor de justiça Lucas Sachsida, a nova legislação (lei 14.811/24), foi falha em um ponto específico, que é o de não fazer menção ou reforçar o que determina a lei nº 13.935, de 11 de dezembro de 2019, que dispõe sobre a prestação de serviços de psicologia e de serviço social nas redes públicas de educação básica. Para ele, é desta forma que se pode, de fato, evitar a ocorrência de ataques e violência em ambiente escolar.
“Quando a gente fala de violência no ambiente escolar e contra o ambiente escolar, que são duas coisas diferentes, reforçamos a aplicação da lei 13.935/19 (…) porque é através desse mecanismo que, a longo e médio prazo, a gente vai conseguir evitar o problema. Existe uma complexidade de eventos de medidas a serem tomadas para a gente superar o problema”, disse o promotor de justiça, Lucas Sachsida.
Segundo a psicóloga e neuropsicóloga Amanda Miranda (CRP 15/6074), toda a escola e comunidade ganha quando uma instituição dispõe de serviços de psicologia ou assistência social, pois a assistência ajuda não somente as crianças e adolescentes, mas os adultos envolvidos naquele ambiente.
“Quando uma escola não tem esse serviço de assistência psicológica, a gente percebe algumas lacunas, como falta de diálogo, falta de atenção para uma criança e para um adolescente e os chamados “telefones sem fio” [quando um boato circula entre diversas pessoas] dentro da coordenação ou entre os adolescentes. Então, a psicologia meio que retira todas essas lacunas e com certeza contribui para a diminuição de ações violentas”, explica a psicóloga.
A importância de discutir sobre saúde mental no ambiente escolar é também reforçada pela pesquisa do Instituto DataSenado, que estima que cerca de 6,7 milhões de estudantes brasileiros já sofreram algum tipo de violência escolar, entre os 12 meses anteriores à realização da pesquisa. O número corresponde a 11% do total de estudantes do país.
“É preciso lembrar que um aluno que pratica bullying ou cyberbullying não é necessariamente um aluno de caráter ruim ou uma pessoa com índole duvidosa. Se trata de um ser humano também e provavelmente em muito sofrimento. Então, a gente precisa acolher realmente todo mundo”, reforça Amanda Miranda.
Apesar de ser reconhecida a demanda e necessidade de alocar esses profissionais em cada instituição de ensino, essa ainda não é a realidade do estado de Alagoas.
Questionada pela Agência Tatu, a Secretaria de Estado da Educação de Alagoas (Seduc) informou que as escolas da rede pública contam com o serviço de educação socioemocional de apenas quatro assistentes sociais e três psicólogos, que realizam um trabalho itinerante nas instituições, revezando assim, entre todas as escolas públicas do estado. Segundo o próprio site da Seduc, existem 321 instituições de ensino na rede pública.
Para a reportagem, a assessoria explicou que além dos sete profissionais, a Seduc conta ainda com o apoio da Secretaria de Estado da Saúde, que cede outros profissionais da área para esta finalidade, mas não precisaram a quantidade. Também foi informado que está em andamento um processo seletivo para a contratação de 80 psicólogos e 60 assistentes sociais, totalizando 140 profissionais que devem atender a rede estadual de ensino. Confira abaixo a nota da Seduc na íntegra.
A Secretaria de Estado da Educação (Seduc) vem desenvolvendo diversas ações no sentido de fortalecer a educação socioemocional na rede estadual de ensino. Prova disso é que, em 2022, a Seduc publicou portaria instituindo o Núcleo Estratégico de Acompanhamento Psicoassistencial (NeAPSA), responsável por implantar, gerenciar e fornecer subsídios para o planejamento de estratégias que possibilitem minimizar os impactos psicoassistenciais e suas consequências nos processos de ensino e aprendizagem.
Já no ano passado, em razão da ameaça de ataques a escolas da rede – fenômeno registrado nacionalmente -, a Seduc ampliou seu plano de prevenção à violência, evitando, assim, que as ameaças se concretizassem. O referido plano, ressalte-se, foi desenvolvido em parceria com a Polícia Militar e contempla ciclos de palestras que abordam temas como o bullying, simulados de ataques às unidades de ensino, entre outras atividades.
E paralelamente ao processo seletivo para contratação de psicólogos e assistentes sociais, a Seduc segue a ofertar a devida assistência a servidores e estudantes de toda a rede estadual, por meio de parceria com a Secretaria de Estado da Saúde (Sesau), que vem disponibilizando profissionais para as mais diversas ações, inclusive, e principalmente, de prevenção.