Com o avanço dos estudos científicos que mostram a eficácia no tratamento de diversas doenças com medicamentos que contêm componentes da cannabis sativa, nome científico da planta conhecida por maconha, o debate sobre a regulamentação da cannabis no Brasil tem aumentado, bem como o número de autorizações por parte da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para importação de medicamentos à base da planta.
Segundo dados da Anvisa, solicitados e analisados pela Agência Tatu, desde 2019 houve um crescimento anual de mais de 100% no número de importações desses medicamentos. Para ter uma noção do aumento, o número de autorizações concedidas em 2022 foi de 80.413, enquanto em 2023, somente até junho, o número já chega a 66.159.
Na região Nordeste é observado o mesmo padrão do país. Em 2019 foram 614 importações de remédios à base de cannabis sativa, já em 2020 o número mais que dobrou para 1.314. No ano seguinte, o número na região foi de 3.948 e em 2022 foram 7.954 autorizações concedidas pela Anvisa.
Para ter acesso a um produto derivado da cannabis, seja por meio de importação ou de associações que produzem no Brasil, é necessário ter prescrição e acompanhamento médico de profissionais devidamente inscritos no Conselho Regional de Medicina ou no Conselho Regional de Odontologia.
Terapia com cannabis
Os componentes terapêuticos presentes na cannabis são chamados de canabinoides. Até o momento, já foram descobertos mais de 100 canabinoides presentes na planta, sendo que os mais conhecidos o canabidiol (CBD) e o tetrahidrocanabinol (THC), compostos mais utilizados na produção de medicamentos.
Segundo nota técnica da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), existem estudos conclusivos acerca do tratamento e melhoria do quadro de saúde de condições como a dor crônica, epilepsia refratária, espasticidade decorrente de esclerose múltipla, náuseas e vômitos ligados à quimioterapia e transtornos neuropsiquiátricos, como a doença de Parkinson e distúrbios do sono.
Outras condições cuja eficácia do uso terapêutico da cannabis ainda estão sendo estudadas, mas já possuem bons resultados, são no tratamento de transtornos de ansiedade, humor, déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), de sintomas associados ao Transtorno do Espectro Autista (TEA), entre outras.
A psicóloga Amanda Miranda, que é especialista no tratamento à base de cannabis, explica que o THC é a molécula que possui o conhecido efeito psicoativo, além de ser antiespasmódico, antiemético e um forte analgésico, relaxante muscular e anti-inflamatório. Já o CBD apresenta os efeitos ansiolítico, antipsicótico, anticonvulsivo, entre outros que muitas vezes são complementares junto à outra molécula.
“Para uma pessoa que tem ansiedade, por exemplo, normalmente não se usa o óleo [de cannabis] que tenha uma proporção de CBD e THC equivalentes, porque com uma alta concentração da substância psicoativa do THC eu vou ficar mais ansiosa, então nesse caso é melhor um óleo que tem mais CBD. Já uma pessoa que sofre com uma dor crônica, por exemplo, ela vai usar CBD e THC, muita das vezes, numa proporção igual, porque o THC vai inibir a dor, pois é um forte analgésico. Então, as moléculas se complementam em seus efeitos diversos e a quantidade varia de acordo com a necessidade do paciente”, relata a psicóloga.
As propriedades da cannabis sativa, que normalmente são extraídas na forma de óleo, se tornaram uma alternativa aos fármacos convencionais, que geralmente possuem muitos efeitos colaterais e causam certa dependência no paciente. Esse é o caso, por exemplo, dos antidepressivos.
“A gente sabe que os medicamentos tradicionais têm muitos efeitos colaterais como vício, dependência, de fazer com que a pessoa tenha algum tipo de tremor, e assim por diante. Já os óleos feitos da cannabis sativa não tem nada disso e não causa essa dependência, porque é como se fosse um suplemento ao nosso corpo”, afirma Amanda Miranda.
Acesso dificultado ao tratamento
Mas para ter acesso a um medicamento derivado da cannabis não é simples. Além das dificuldades burocráticas, por se tratar de um medicamento que não possui regulamentação nacional para distribuição pelo Sistema Único de Saúde (SUS), há também as dificuldades financeiras, já que o medicamento costuma ser muito caro.
No caso da bióloga, pesquisadora, doutora em Biotecnologia e presidente do Instituto de Ciências Canabinóides (ICCA), Adriana Todaro, por exemplo, que relatou fazer uso do óleo da cannabis devido à sua condição de fibromialgia (uma doença reumatológica que afeta a musculatura causando dor), um vidro com 10ml custa em torno de R$900. Mas os medicamentos podem ser ainda mais caros e chegam a custar R$ 2 mil por mês para importar.
É devido ao valor alto que existem casos recorrentes de pessoas que entraram na Justiça para obter o habeas corpus preventivo (salvo-conduto) e poder cultivar a planta, para assim extrair o próprio óleo da cannabis, sem o risco de problemas legais. No entanto, apesar de um óleo derivado de cultivo próprio também demonstrar resultado positivo no tratamento, o ideal seria ter um controle de qualidade, com medicamentos produzidos em laboratório, conforme explica a bióloga.
Legislação nos estados
Enquanto não há uma regra geral sobre o uso da cannabis medicinal, diversos estados do país estão aprovando leis que versam sobre o assunto, seja para regulamentar o uso terapêutico, seja para incentivar pesquisas científicas com a planta, ou até sobre a distribuição na rede pública de saúde.
Segundo levantamento realizado pela Agência Tatu, entre as unidades federativas da região Nordeste, seis já aprovaram lei que regulamenta a cannabis medicinal em alguma dessas formas, dois estados possuem projeto de lei em tramitação e em apenas um não foi encontrada legislação ou projeto de lei sobre o assunto, mas já há discussão. Confira abaixo a situação em cada estado.