O momento de se revelar como LGBTQIAPN+, seja para a família, para amigos ou para quaisquer grupos, é muito marcante na vida de muitas pessoas. Com a proximidade do Dia Internacional do Orgulho LGBTQIAPN+, celebrado nesta quarta-feira (28), uma corrente viralizou na rede social Twitter, na última semana, com relatos de pessoas contando como foram suas experiências pessoais quando “saíram do armário”.
Entre os relatos, muitos contam sobre o trauma de ter a privacidade invadida e a decisão de se revelar sendo imposta por outra pessoa.
com 23 anos, troquei de celular dei o antigo para minha mãe, que restaurou as conversas no WhatsApp. Leu tudo com um menino que ela desconfiava. Encontrou o que queria e o que não queria ler. Me ligou,como uma boa canceriana, fez um drama https://t.co/cke7Lwm0Vi pic.twitter.com/7Kvjmb3L8v
— chico (@chiconetodisse) June 20, 2023
contei a um grupo de amigas que estava namorando uma mulher e era bi, uma dessas queridas pegou fotos, vídeos etc juntou num compilado e mostrou a minha mãe
descobri que foi ela e até hj ela se faz de sonsa, me afastei de todas https://t.co/U2OhthIipY pic.twitter.com/X4dPeNs2xe
— tali (@taloucapoc) June 20, 2023
Estava apaixonada por uma mulher e na igreja. Jejuei e orei pra pedir resposta. Deus tinha me dito arrasa gata e contei pro meu líder de jovens sobre a resposta das minhas orações.
No culto seguinte estava de banco e fui exposta em um sermão sobre maçãs podres pra toda a igreja https://t.co/cInt4V0UGS pic.twitter.com/Y4pGUEplN8
— Nátaly Neri (@natalyneri) June 20, 2023
Apesar de muitas histórias envolverem trauma e dor, alguns compartilham experiências que demonstram compreensão e coragem para enfrentar os desafios, o que representa uma ‘exceção à regra’.
Minha mãe me chamou em 17 de agosto de 2014 pra tomar café só eu e ela sozinhos, e ela me confrontou “tem alguma coisa pra me contar?” e eu negando veemente até que ela solta “se eu souber da boca de outra pessoa eu nunca vou te perdoar” e eu falei “sobre ser diferente?” e ela + pic.twitter.com/SP0iBHf7jF
— Câncer Cancela ♋️ (@mattheeusantos) June 20, 2023
Me aceitei bi aos 17, contei para minha família aos 20, mas num péssimo momento da minha vida.
Foi um desafio para todos os envolvidos, tivemos que ceder em vários aspectos, mas deu tudo certinho e hoje tá tudo bem, lá se vão quase 7 anos. https://t.co/A3fqR6drKT
— bella jurídico lulu campos 💌 (@isabottle) June 20, 2023
Segundo pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) realizada em 2019, 2,9 milhões de adultos se declararam homossexuais ou bissexuais, sendo que 3,6 milhões de pessoas não quiseram responder a pesquisa, o que pode indicar subnotificação do número.
Número de pessoas homossexuais ou bissexuais no Brasil
Dados são da Pesquisa Nacional de Saúde 2019, segundo autodeclaração dos entrevistados com 18 anos ou mais
Orgulho de ser quem é
Para o piloto comercial de avião e professor de aviação, Eduardo Chianca, 28, se reafirmar como gay é uma forma de demonstrar que não há nada de errado em ser quem ele é. “Quando temos orgulho de ser quem nós somos (…) fica muito mais fácil buscar por um lugar na sociedade que comumente é fechado para a gente”, relata o paraibano.
O preconceito vivido pela população LGBTQIAPN+ (sigla que abrange pessoas Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transsexuais e travestis, Queer, Intersexo, Assexuais, Pansexuais e Não-binário) também é evidenciado na rotina de trabalho das mais diversas profissões. Eduardo Chianca menciona que na aviação, por exemplo, o conservadorismo e o preconceito ainda são grandes.
“Um grande portal de notícias sobre aviação daqui do Brasil postou sobre uma comissária trans, que foi a primeira comissária trans da Argentina, e ao noticiar isso o fizeram em tom de piada, e além disso, postou fotos do documento com o nome do registro de nascimento da comissária. Então, isso é totalmente normalizado, isso é totalmente aceito dentro da aviação, o que é mais absurdo ainda. Você abre os comentários de um post como esse e não tem ninguém falando que aquilo é errado, então isso me assusta muito, acho que a aviação precisa sim de uma grande mudança”, afirma o piloto comercial de avião, Eduardo Chianca.
Segundo Laís Ferreira, 30, que é diretora de Tecnologia Dardos Estratégias e analista de dados no Senai Alagoas, se identificar dentro da sigla como bissexual e se orgulhar disso, é também uma forma de fortalecer a comunidade e reforçar a necessidade de mais políticas públicas.
“Um LGBTQIAPN+ é um indivíduo como qualquer outro que recebe para além de sua orientação sexual o ônus e o bônus do que é estar aqui e agora. Imagine uma pessoa com diversos fatores sociais críticos, não receber apoio ou acolhimento de sua família, acredito que sem ajuda profissional essa pessoa não conseguirá se desenvolver e ter crença em dias melhores”, afirma a alagoana Laís Ferreira.
O acolhimento familiar
De acordo com o psicólogo Cauê Assis, que é homem trans, poeta e integra o Fórum Nacional de Travestis e Transexuais Negras e Negros (Fonatrans), é de grande importância que haja o acolhimento familiar para as pessoas que se identificam dentro da sigla, mas, na maioria das vezes, ocorre o contrário.
“Ela [família] pode e deveria ser um local de acolhimento, para que, dentro da família, a gente consiga um fortalecimento para que seja possível enfrentar algumas questões sociais, como suicídio, depressão, violência, dentre outras questões vinculadas às pessoas LGBTQIAPN+. A gente tem que pensar sempre que o caso não é só a questão da sexualidade ou da identidade de gênero, é o preconceito sofrido que causa todos esses problemas, e a gente tem que reverter isso”, explica o psicólogo Cauê Assis, que é também vice-presidente da Associação Cultural de Travestis e Transexuais de Alagoas (Acttrans).
Para Laís Ferreira, a pressão para se assumir no ambiente familiar é algo que gera muita ansiedade quanto às possibilidades imaginadas sobre a reação dos familiares. Em sua experiência pessoal, ela conta que recebeu respeito e acolhimento de algumas pessoas.
“Tentei ao máximo entender os critérios sociais que minha base familiar foi construída e daí entender seus posicionamentos quanto a este assunto. Diante disso, também não me vi na obrigação de pedir permissão quanto as pessoas que escolhia me relacionar – sendo do mesmo sexo ou não – e consegui com mais tranquilidade e naturalidade passar isso aos meus familiares. Apesar de ser bastante comunicativa e ter minha vida pessoal exposta na internet, não costumo falar sobre meu relacionamento com muitas pessoas, principalmente da família”, relata a analista de dados, Laís Ferreira.
O psicólogo Cauê Assis fez parte de uma importante conquista para as pessoas que fazem uso do nome social e ingressam na Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Ele conta que, quando ingressou no curso de Psicologia em 2016, não havia nenhuma regulamentação que tratasse sobre o uso do nome social na Universidade, sendo necessário fazer um requerimento para garantir o direito.
Desta forma, Cauê Assis contou com o apoio do curso de psicologia e do movimento estudantil e, sob muita mobilização, conseguiram aprovar, junto ao Conselho Universitário (Consuni) da Ufal, a resolução nº 29/2016 que regulamenta a utilização do nome social na instituição, para as pessoas travestis, transexuais, transgêneros e intergêneros.
“Essa foi a primeira conquista que eu consegui ter dentro da Universidade. E o fato de eu me colocar enquanto pessoa trans foi extremamente importante para que isso acontecesse”, relata o psicólogo.