Atenção: A reportagem abaixo mostra trechos explícitos de conteúdo misógino e xenofóbico. Optamos por não censurá-los, porque achamos importante exemplificar como o debate é violento na internet, como a violência política contra mulheres se espalha pelas redes e é sexista em suas formas, como podemos identificá-la e quais termos são frequentemente direcionados às candidatas ofendidas.
Ofensas que reforçam a violência de gênero e a xenofobia dão o tom das interações nas redes sociais das candidatas nordestinas às Eleições de 2022. “Vergonha”, “chora” e “burra” são termos comuns em tweets e comentários direcionados a essas mulheres.
De acordo com dados do MonitorA 2022, projeto da Revista AzMina em parceria com InternetLab e Núcleo Jornalismo, a ofensa às mulheres não depende do seu posicionamento ideológico. É o caso de Mayra Pinheiro (PL), candidata a deputada federal no Ceará; Natália Bonavides (PT), deputada federal reeleita no Rio Grande do Norte; e Marília Arraes (Solidariedade), que disputa o 2º turno para governo de Pernambuco: posicionadas em diferentes espectros políticos, as três são campeãs no lamentável ranking de candidatas nordestinas acompanhadas pelo observatório no Twitter.
As ofensas direcionadas ao trio se repetem: “não tem vergonha na cara”, “só fala merda” e “idiota” aparecem junto a ataques relacionados às suas orientações político-ideológicas, como “capitã cloroquina” e “bolsomerda”, no caso de Pinheiro, e “esquerdopata” e “chora esquerdalha“, nos casos de Natália e Marília. Mas os xingamentos também se expandem para a população dos estados que elas buscam representar, se transformando em ataques xenofóbicos. Expressões como “pernambucano é tão burro” e “vergonha do povo potiguar” apareceram nas redes de Arraes e Bonavides, respectivamente.
OFENSAS POR IDADE E GÊNERO
As mulheres que iniciam sua vida política ainda jovens também são alvo de violência de gênero por isso, em ataques notadamente misóginos e infantilizadores. A reportagem conversou com a vereadora por Maceió Teca Nelma, de 23 anos, que foi candidata a deputada estadual pelo PSD, e com a deputada estadual reeleita pelo MDB, Cibele Moura, de 25 anos, ambas eleitas pela primeira vez aos 21 anos.
As duas perceberam a mudança no direcionamento das ofensas recebidas. Inicialmente, o foco era a idade, depois, se tornou a aparência. “No início era bem complicado para mim, lidar com tudo isso, porque eu saí de uma vida de uma anônima para a vida de uma pessoa pública, em que tudo meu era analisado. As pessoas falavam do meu cabelo, que eu não sabia pentear, falavam do meu óculos, que eu era a vereadora quatro olhos, que eu não sabia me vestir, das minhas unhas. É algo que eu aprendi a lidar nesse um ano e meio, com muita terapia”, relata Teca.
Para ambas, a infantilização parece estar ligada com a questão do gênero. “Na primeira eleição, ainda por não ser conhecida pelo grande público, eu era muito taxada como muito jovem, muito nova. E isso veio em um momento em que tantos homens jovens com a mesma idade que eu também eram candidatos, também foram eleitos, mas eu era tachada como nova demais, ‘filhinha de papai’, esse tipo de coisa que toda mulher jovem escuta quando entra para a política”, diz Cibele.
Teca tem a mesma sensação. “Por que eu recebo tanto questionamento pela minha idade? Por que os colegas da minha idade não recebem? Por que as pessoas questionam meu cabelo, minha roupa e meu óculos, e não questionam o parlamentar homem? Por que qualquer agressão que eu sofro é primeiramente sobre meu gênero e posteriormente é sobre meu trabalho?”, questiona.
NORDESTE ELEGEU 16% DE MULHERES
Dos 27 estados brasileiros, apenas dois, localizados no Nordeste, contarão com mulheres como chefes do Executivo Estadual no próximo ano. Enquanto o Rio Grande do Norte reelegeu Fátima Bezerra (PT) com 58,2% dos votos, em Pernambuco o segundo turno, no próximo dia 30, a disputa será entre Marília Arraes (Solidariedade) e Raquel Lyra (PSDB).
Esses resultados refletem a desigualdade de gênero na política em todo o país. Dados da Estimativa Populacional do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) coletados pela Agência Tatu, apontam que quase 52% da população do Nordeste é composta por mulheres. Este ano, no entanto, os candidatos da região disputaram 510 vagas para o Legislativo federal e estadual e também o Executivo, mas apenas 82 mulheres (16%) foram eleitas. Apesar do aumento de 11% em relação às eleições de 2018, quando somente 73 mulheres conquistaram uma das vagas disputadas, há um longo caminho até a paridade de gênero.
No caso de Alagoas, as mulheres lamentam dar um passo à frente e outro atrás. O estado elegeu seis mulheres para a Assembleia Legislativa, uma a mais que em 2019, mas perdeu sua cadeira feminina na Câmara dos Deputados. “A única mulher deputada federal de Alagoas perdeu a reeleição (Tereza Nelma – PSD) e nenhuma outra conseguiu essa cadeira. Perdemos uma cadeira que era importantíssima para as mulheres de Alagoas”, reforçou Cibele.
Para Priscila Lapa, cientista política e professora na Faculdade de Ciências Humanas de Olinda, a baixa representatividade afeta a tomada de decisões favoráveis às mulheres no dia a dia da política.
“Essa é a essência do processo de representação: eu defendo aquilo com que me identifico mais. Existem pautas que afetam mulheres em aspectos que guardam relação com outros grupos sociais, como a renda. Mas existem aquelas que dizem respeito à condição de ser mulher. Aí é onde ter uma representação política concatenada com esta pauta faz a diferença”, explica.
Entre as mulheres eleitas no Nordeste neste ano, e as que ainda disputam o segundo turno em Pernambuco, o perfil encontrado pela Agência Tatu, conforme declarações ao TSE, é de mulheres brancas (50 das eleitas), com nível superior completo (68), casadas (53), que têm entre 41 e 50 anos (28). Entre os partidos, quem mais elegeu mulheres (16) foi o PT. Com relação à ocupação profissional, a maioria se declarou “deputada” (26). Isto acontece quando a candidata concorre à reeleição para deputada estadual ou federal e não declara outra profissão.
Além das dificuldades estruturais, como o subfinanciamento de campanhas femininas, e a violência política de gênero, Teca relembra o lugar de tutela das mulheres na política, quando muitas só conseguem ocupar espaços por serem esposas ou filhas “de alguém”. “Geralmente a gente vê entrando na política a ‘mulher de não sei quem’ ou ‘a filha de não sei quem’. É possível ver isso aqui na Câmara de Vereadores [de Maceió, a ], onde a Galeria Lilás reúne fotografias das vereadoras eleitas, e, entre elas, uma é descrita apenas como ‘esposa de fulano’. A gente não sabe o nome dela, só sabe que ela é esposa de alguém”, conta.
ELEIÇÕES E XENOFOBIA
Durante o período eleitoral, insultos direcionados aos candidatos e eleitores da região Nordeste, como “o povo do Nordeste é tão burro”, “que vergonha de ser nordestino/a” ou “querem continuar pobres” são observados com frequência. Como estratégia política ou para inferiorizar os nordestinos, moradores de outras regiões do país – e até nordestinos contrários aos resultados das eleições – usam a origem regional como base para xingamentos e acusações.
De acordo com Luciana Santana, cientista política e professora da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), apesar de o preconceito contra nordestinos não ser novo, se intensificou desde as eleições de 2018. A conexão está entre a disseminação de discursos de ódio e a intolerância a posições políticas divergentes. “Já aconteceram outros episódios, mas o que temos hoje é uma intensidade desses ataques que estão acontecendo. E essas pessoas não conhecem o Nordeste. Eles não têm noção de como é a formação dos estados, qual a realidade social e econômica, os motivos que levaram a essa alta concentração de renda e desigualdade, e não conseguem perceber as mudanças mais recentes”.
A cientista política aponta a responsabilidade de políticos que endossam esse preconceito contra os nordestinos. “Quando um chefe de estado atribui o analfabetismo a uma preferência política, isso reforça o preconceito e a ignorância dessas pessoas, de considerar que o nordestino deve ficar submisso e que ele não consegue ter o mesmo desenvolvimento intelectual que pessoas de outras regiões”, exemplificou.
O professor de Antropologia da Ufal, Bruno César Cavalcanti, concorda que falas do Presidente Jair Bolsonaro (PL) reforçam estereótipos sobre o nordestino. “Há outra confusão: confunde-se constantemente nível escolar com alfabetização política. No Brasil, votar foi durante muito tempo uma prerrogativa de letrados, formulação que excluía a grande maioria da população de participar do processo político-eleitoral”.
O MonitorA é um observatório de violência política online contra candidatas(os) a cargos eletivos. O projeto é uma parceria entre a AzMina, o InternetLab e o Núcleo Jornalismo.
O MonitorA conta ainda com a parceria de veículos regionais que produzem reportagens sobre violência política com o recorte de seus territórios. Esta matéria, sobre o cenário da região Nordeste, foi produzida pela Agência Tatu (AL). Participam do MonitorA ainda A Lente (MT), data_labe (RJ), Portal Catarinas (SC) e Abaré Jornalismo (AM).
Metodologia
Para obter os resultados apresentados nesta matéria, a Agência Tatu analisou dados do MonitorA 2022, parceria da Revista AzMina com InternetLab e Núcleo Jornalismo. Foram coletados 3.508 tweets com menções aos perfis de 36 candidatas do Nordeste e algum termo potencialmente ofensivo, no período de 7 de agosto a 9 de outubro. Muitos dos tweets da amostragem não se tratavam de ofensas de fato, então foram filtrados e retirados da análise. As candidatas Mayra Pinheiro, Natália Bonavides e Marília Arraes foram as que mais receberam ofensas misóginas e pejorativas no período de análise. Ao todo, as três candidatas possuíam 2.196 tweets. Em ouro filtro, selecionamos somente os tweets que possuíam conteúdo ofensivo, resultando nos infográficos desta reportagem.