Ter conjunção carnal ou praticar ato libidinoso com menores de 14 anos é considerado estupro de vulnerável no Brasil, de acordo com o que está descrito no artigo 217-A do Código Penal. O crime se torna ainda mais repulsivo ao analisar os dados que mostram a dimensão do problema. Em números absolutos, a média nacional é de 21.172 meninas que são vítimas de estupro de vulnerável e terminam engravidando, todos os anos.
A análise foi realizada pela Agência Tatu, com dados de 2013 a 2022 obtidos pelo Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC) do DataSUS.
Quando observados os números por região, o Norte do país possui a maior taxa anual de casos, com uma média de 202 casos por 100 mil habitantes. A região Nordeste aparece logo em seguida, onde a cada 100 mil habitantes, 147 meninas com menos de 14 anos engravidam e têm filhos todos os anos.
Já em números absolutos, o Nordeste apresentou a maior média anual, com 8.293 casos, enquanto a região Norte tem 4.330 casos por ano, em média. Destaca-se que os dados de 2022 ainda constam como preliminares na base de dados do Datasus.
No gráfico abaixo é possível notar que há uma diminuição dos casos ao longo dos anos, desde 2014, entretanto os números ainda são altos.
Número de meninas de até 14 anos que tiveram filho, por região do Brasil
A média no país é de 21.172 meninas que são vítimas de estupro de vulnerável e terminam engravidando, por ano.
Para a advogada e coordenadora do Centro de Defesa dos Direitos da Mulher de Alagoas (CDDM-AL), Paula Lopes, o estupro de vulnerável, desenvolvido através do abuso sexual e do casamento Infantil, são juntos os atos criminosos que causam maior vergonha ao país.
“[Os crimes] evidenciam a falta de cuidado extrema com as nossas crianças e adolescentes, sobretudo as meninas. Algumas dessas práticas são historicamente normalizadas, e muitas delas com um recorte de classe gritante. A maioria dessas meninas são pobres, vendidas, trocadas, oferecidas, negligenciadas, silenciadas, apagadas, violentadas pela própria família”, relata Paula Lopes.
Direito ao aborto legal
No Brasil, a realização do aborto deixa de ser crime em três situações: se a gravidez é decorrente de estupro; se a gravidez representar risco de vida à mulher; ou se for caso de anencefalia fetal (não formação do cérebro do feto).
Desta forma, meninas que engravidam até os 14 anos são, pelo Código Penal, vítimas de estupro de vulnerável e, portanto, têm direito ao aborto legal pela rede pública de saúde.
Ao buscar atendimento para a realização do aborto em caso de estupro, a vítima não precisa apresentar boletim de ocorrência ou autorização judicial, uma vez que não existe normal legal que exija isso, sendo suficiente a palavra da pessoa.
Entretanto, nem sempre esse direito é de fácil acesso e em alguns casos é até dificultado, como ocorreu em uma audiência em Santa Catarina para tratar do caso de uma menina de 11 anos que foi vítima de estupro e ficou grávida. Na ocasião, a juíza questiona se a menina “suportaria ficar mais um pouquinho”, como forma de aumentar a sobrevida do feto.
A média de abortos legais realizados por ano em hospitais públicos, de 2015 a 2022, foi de cerca de 1.800, considerando os registrados no DataSUS com o diagnóstico CID O04 (Abortos por razões médicas e legais), ou seja, abrange outros tipos de abortos legais e não somente os que são oriundos de casos de estupro. O dado foi divulgado pelo Instituto AzMina através da plataforma abortonobrasil.info, que apresenta dados e informações sobre aborto no Brasil.
Média de abortos legais realizados por ano, em hospitais públicos no Brasil
Dados divulgados pelo Instituto AzMina através da plataforma abortonobrasil.info
De acordo com a especialista em Direitos Humanos e em Proteção às Mulheres Vítimas de Violência, Paula Lopes, para que o aborto legal seja de fato acessado por quem tem direito é preciso existir educação, prevenção e punição.
“Educação sexual para prevenir abusos; prevenção para agir de forma eficiente e à frente das demandas desde o início, com atenção, acolhimento e proteção; e punição de abusadores e também de profissionais que negligenciam essas demandas, que negam atendimento, que revitimizam. A violência institucional é muito dolorosa e deixa sequelas gravíssimas”, afirma a advogada e ativista pelos direitos das mulheres.