Centenas de alagoanos estão atualmente na fila de espera do Sistema Nacional de Transplantes (SNT), contudo 71% das famílias em Alagoas ainda recusam doar os órgãos de parentes que tiveram o diagnóstico de morte encefálica, como levantou a reportagem da Agência Tatu. A falta de informação e de debate entre a família são os principais fatores que levam a isso.
“A população ainda não tem essa clareza, e isso faz com que as pessoas tenham muitas dúvidas. Elas confundem muito coma com morte encefálica, mas são duas coisas bem diferentes. Tem também a questão religiosa que, muitas vezes, faz com que elas prefiram esperar por um milagre, então recusam a doação”, relata a coordenadora da Central de Transplante de Alagoas, Daniela Ramos.
Esse alto índice de resistência fez com que Alagoas se colocasse como o estado do Nordeste em que mais as famílias recusaram à doação de órgãos, seguido de Sergipe, com 65%, e Maranhão, com 63%, segundo dados de 2016 da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO). Em âmbito nacional, o estado fica em quarto lugar, bem acima da média do país, que é de 43%.
Enquanto isso, pessoas morrem…
A recusa das famílias tem impacto direto nas pessoas que estão há anos na fila de espera por um órgão. Somente no ano passado, 30 pessoas morreram em Alagoas enquanto esperavam a doação de um órgão compatível. 28 delas precisavam de um rim para sobreviver, e duas de coração.
“Se a gente não comunicar à nossa família e ela, nesses momentos, também não autorizar a doação, infelizmente mais uma pessoa ou mais deixam de receber aquele órgão que podia salvar a vida delas”, constata Daniela Ramos, que explica ainda que autorizações formais feitas por meio de declarações ou na Carteira de Identidade não têm validade para a liberação da doação.
Isso porque apenas os parentes do possível doador podem consentir ou não a doação de órgãos e tecidos. Desde dezembro de 2000, informações que expressavam a doação presumida nas carteiras de identidade e de habilitação não possuem mais validade. Por isso, entidades da área reforçam a importância de informar à família, em vida, o desejo de ser doador.
A angústia da espera
Até a primeira semana de abril deste ano, estavam na fila de espera por um transplante de órgão ou tecido 432 pessoas, somente em Alagoas. Destas, 269 precisam de um rim, 162 de córnea e uma de coração.
Durante 11 meses, José Milson de Melo, de 64 anos, aguardou na longa fila de espera por um fígado, que precisava para sobreviver. Foi, então, após a doação desse órgão por familiares de uma pessoa de Recife, que havia sofrido morte encefálica, que ele pode voltar a sorrir.
“O médico havia me dado poucos dias de vida. Caso eu não fizesse o transplante eu poderia morrer a qualquer instante. Fiquei aguardando um tempão e fui piorando a cada dia, por isso me colocaram como o primeiro da lista. Mas hoje eu só tenho a agradecer a Deus”, relata Milson.
Ele precisou viajar para Pernambuco para realizar a cirurgia, já que Alagoas não possui estrutura para fazer esse tipo de transplante de fígado. “Todo mundo deveria ser doador natural. Ninguém leva fígado para o outro mundo. Por que não doar e salvar uma vida, como salvaram a minha? Sou eternamente grato, e todos os dias rezo por essa pessoa”.
Procedimentos
Comissões compostas por médicos, psicólogos e enfermeiros ficam de plantão 24 horas por dia nos hospitais que possuem Unidades de Terapia Intensiva (UTI) com ventilação mecânica, para identificar pacientes que possam se tornar possíveis doadores. Para constatar a morte encefálica – quando o cérebro para de bombear sangue para os demais órgãos do corpo – o paciente é submetido a três exames clínicos: dois deles são feitos por médicos diferentes que não participem das equipes de captação e de transplante, e mais outro exame complementar.
Diagnosticada a morte encefálica, a equipe da comissão entra em contato com a família do paciente para realizar uma entrevista, ocasião em que é relatada o estado de saúde do parente e informada da possibilidade de doar os órgãos. “Temos uma equipe muito boa que faz essas entrevistas, mas infelizmente o ato de doar não depende só disso”, expressa a coordenadora da Central de Transplante de Alagoas.