Em um país onde mais da metade da população se identifica como parda (45,3%) ou preta (10,2%), o ensino superior ainda não reflete essa diversidade racial entre seus docentes. De acordo com o Censo da Educação Superior 2023, divulgado no mês passado, apenas 21% dos professores nas Instituições de Ensino Superior (IES) se declaram pretos (2,9%) ou pardos (18,1%), enquanto 59,2% são brancos.
Segundo análise da Agência Tatu, dentre os 77,2 mil docentes negros — que abrangem os pretos e pardos — de todo o país, 31,3 mil estão no Nordeste, o que representa 40% do total, sendo a maior proporção dentre todas as cinco regiões do Brasil. Em segundo lugar, fica o Sudeste, que possui 26% dos professores e professoras pretos e pardos de todo o país.
Docentes negros do ensino superior, por região do Brasil
De acordo com a professora da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) Marli Araújo, que é doutora em Serviço Social e vice-coordenadora no Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas (NEABI) Campus Arapiraca da Ufal, a baixa proporção de docentes negros no ensino superior ainda reflete os 388 anos de escravidão e o acesso à educação, que por muitos anos foi negado à população negra.
“A gente precisa entender que no processo de formação social, econômica e política brasileira, você tem um processo de escravidão que vai colocar pessoas negras dentro de uma estrutura em que, dentro de um processo ideológico, elas são consideradas inferiores. Isso é um ponto que a gente não pode esquecer”, explica a doutora em Serviço Social, Marli Araújo.
“A segunda questão muito importante é que o Estado brasileiro, dentro desse processo, nos nega o acesso à educação. Em algum período da nossa formação isso foi uma lei. O que significa que nós vamos demorar muito mais a chegar nas instâncias de nível superior enquanto formação, não esquecendo também que a universidade é um espaço colonizado, é um espaço da branquitude, e tudo isso precisa ser ponderado”, completa a docente.
Ao observar os dados de professores pretos, o número é de 10.618 em todo o país, sendo que 3.837 estão na região Nordeste, ou seja, 36,1% do Brasil. No caso de docentes que se autodeclararam pardos, o total é de 66.658 no país, estando 27.550 (41,3%) no Nordeste. Em ambos casos, o Nordeste concentra o maior percentual dentre as regiões do Brasil.
“Mesmo que você tenha uma população brasileira cujo mais da metade é negra, e entre os negros tem os pretos e pardos, a gente vai ter aí um processo de racismo, do racismo institucional, que é o nosso acesso à educação. Ora, isso vai refletir no número de professores dentro do ensino superior”.
Marli Araújo, professora da Ufal
Ainda que o número de docentes do ensino superior autodeclarados como pretos e pardos tenha aumentado, entre os dados do Censo da Educação Superior de 2022 e de 2023, a proporção continua pequena para o panorama geral.
Em 2022, 19% (68.619) dos docentes do magistério superior de todo o país se autodeclararam pretos ou pardos, enquanto no Censo de 2023 foram 21% (77.276) de docentes pretos e pardos, o que representa um aumento de 8.657 professores desta categoria, de um ano para outro.
O acesso à educação em geral, no Brasil, é mais difícil para a população negra, conforme argumenta a doutora e mestre em Serviço Social, Marli Araújo. “Majoritariamente pessoas pobres no Brasil são negras. Logo, elas vão trabalhar, elas serão educadas muito mais para o trabalho (...) e com isso elas terão menos acesso à educação, porque elas terão menos tempo para estudar. O nível superior, então, vai ficar muito distante dessa realidade”, pontua.
O número de docentes que não declararam sua cor ou raça diminuiu entre os dois anos. No Censo de 2022, 84.291 pessoas não declararam, enquanto em 2023 foram 68.247 docentes em exercício, do magistério superior, que não informaram sua cor ou raça, uma redução de 19%.
Segundo a professora da Ufal, Marli Araújo, o ato de não se declarar como pessoa negra não está relacionado somente à cor de pele ou a uma questão de ancestralidade, mas sim com a carga histórica e com o posicionamento político que implica na vivência do que é ser negro
“Quando a gente se politiza negro — e é isso que nós do movimento negro, pessoas negras que nos autodeclaramos negros, fazemos —, a gente está dizendo que ser negro é um ato político. Fora isso, tem a questão da subjetividade. O que é ser negro no país? É você encarar todo um processo de discriminação, de racismo estrutural, de racismo institucional”, relata a docente.
“Ser negro, num país em que o racismo é tão violento, traz outras cargas que a gente precisa analisar porque a pessoa não se declara. Que cargas emocionais e sociais estão aí? E as pessoas estão ou não prontas para encarar? Porque a luta cotidiana, ela já é feita com ou sem autodeclaração, porque o nosso local dentro dessa sociedade, é de que nós somos pessoas que iremos sofrer racismo”.
Marli Araújo, professora da Ufal