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Quando a reportagem chegou a casa da família Paes, no bairro de Bebedouro, encontrou o patriarca, Luiz Petrúcio de Magalhães Paes, de 71 anos, sentado em um canto do quintal, onde fica a lavanderia da casa. Foi ali ele passou a ficar grande parte do dia desde que sentiu o chão tremer em março de 2018. “Se pudesse, dormiria aqui também porque o sono seria mais tranquilo, sem tanto medo”, garantiu.
Desde então, a rotina do casal de idosos e da filha Roberta Paes, de 39 anos, mudou completamente. “Ouvimos aquele estrondo alto e depois sentimos tudo sacudir. Era impossível saber de onde vinha aquilo”, relembra Nadja, com expressão de espanto. “Após aquele dia não tivemos mais sossego e vivemos preocupados, pois sabemos que devemos sair daqui, mas não temos para onde”, explicou Roberta que também teme pela situação dos vizinhos.
Reunidos na sala principal da residência, os Paes contam que outros parentes poderiam abrigá-los, porém todos vivem no mesmo bairro e estão expostos da mesma maneira. “Não adiantaria sair daqui e ir viver a metros de distância”, argumentou Luiz, com o olhar cansado. “Decidimos ficar enquanto pudermos para que nosso patrimônio não seja depredado, mas temos dividido nosso tempo entre nossa casa e a de nossos parentes”.
O Bebedouro já foi o bairro preferido da elite alagoana, com seus casarões na rua principal, próximo à lagoa Mundaú e da linha férrea. A ocupação desordenada, no entanto, cresceu nos últimos anos e preencheu grande parte da encosta que delimita o bairro. Acima dele, o Pinheiro se desenvolveu no grande platô que se forma além dessa encosta.
“Já roubaram meu chão e meu crepúsculo, mas só deixei meu cariri no último pau de arara”
Foi citando uma música do cantor Fagner que o cientista José Geraldo Wanderley Marques, biólogo com várias qualificações acadêmicas*, iniciou a entrevista para espelhar a melancolia de ter de abandonar “seu chão”, após quase 40 anos de moradia no bairro do Pinheiro.
Além de morador, José Geraldo é testemunha viva de todo o processo de autorização, instalação e riscos negligenciados durante a instalação da indústria química no Estado. Na época, ele fora convidado para compor a equipe técnica do então governador Divaldo Suruagy (1975-1978) a ocupar o cargo de secretário de Meio Ambiente (ainda q a pasta não tivesse esse nome), quando da instalação da Salgema em Alagoas na década de 1970.
“Na época, Suruagy me explicou que não podia criar uma secretaria ambiental, mas queria uma Secretaria Executiva de Controle da Poluição, que poderia cumprir o mesmo papel”, relembra o professor. “Voltei com muito entusiasmo para assumir o órgão, mas ao chegar aqui fui informado que não seria pago inicialmente. Mesmo assim, iniciamos um trabalho sério em parceria com a Capitania dos Portos”.
De acordo com Marques, a presença ou exploração de sal-gema nunca foi um problema, desde que feita com responsabilidade socioambiental. “Nunca fomos contrários à exploração desse minério, porém, para evitar danos, sabíamos que ele precisava ser bem explorado, bem produzido, bem planejado e honestamente continuado”, observa o cientista.
No laudo do Serviço Geológico do Brasil (CPRM), José Marques é citado como “quarta evidência” por ter dito, entre outras coisas, que mesmo na condição de secretário ambiental à época, não foi consultado para o início dos trabalhos da empresa Salgema, hoje conhecida como Braskem. “Não existia sistema de licenciamento, mas precisava passar pelo aval da secretaria”, relembra Marques. “Desde o início eu coloquei que enquanto estivesse na secretaria, eu não assinaria o aval e isso me causou muitos problemas. Mesmo assim, me mantive no cargo por quatro anos”.
Baseado nos dados que recebeu na época, Marques sabia que a probabilidade de que o solo cedesse, a longo prazo, era grande. “Eu gerava documentos confidenciais porque não tínhamos uma boa equipe remunerada no Estado, mas havia uma série de bons consultores – alguns renomados internacionalmente – que nos ajudava com dados técnicos e, a partir dessa assessoria de alta qualidade que nos era concedida sem custo, tivemos embasamento científico que apontava que um dia poderíamos ter aqui em Maceió um rebaixamento de solo, a partir da atividade de mineração”, explica o professor. “”Em um dos documentos especifiquei que essa exploração era ruim não só para o solo, mas também para a empresa, mas não fui ouvido”, afirmou
Ao perceber as mudanças estruturais no bairro, o cientista viu-se obrigado a mudar-se para a Ponta Verde, próximo ao mar, mas confessa que não é do seu agrado. “Nenhuma orla vale mais que aquele pedaço de chão e toda a história que havia nele”, lamentou. “Já tiraram meu chão e meu crepúsculo, mas só deixei meu cariri no último pau de arara”.
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Publicado em 11 de dezembro de 2020
Reportagem: Dayane Laet
Fotografias: Jonathan Lins
Diagramação: Lucas Thaynan